O conflito trabalho-família define-se pelo conflito entre os papéis do trabalho e da família mutuamente incompatíveis (Greenhaus & Beutell, 1985). No contexto laboral, este conflito compromete o desempenho profissional, bem como afeta o compromisso e a satisfação com o trabalho e a organização/empresa (Kalliath e Kalliath, 2013; McElwain, Korabik, & Rosin, 2005). Em termos familiares, as consequências são sobretudo ao nível da diminuição da satisfação das relações de casal e familiar, da projeção de tensão para vários membros da família e do aumento do stress e fadiga que se associam a um pior desempenho dos papeis familiares (Gao et al., 2013).
É a tradicional divisão sexual do trabalho que está subjacente às diferenças encontradas entre homens e mulheres, o que resulta na segregação ocupacional que reserva às mulheres um menor tempo ou maior esforço para o trabalho pago e dificulta a sua progressão na carreira, bem como as sobrecarrega com as tarefas familiares (Kergoat, 1996). Em Portugal, um estudo realizado por Heloísa Perista et al. (2016) revelou que a média diária do número de horas de trabalho pago para os homens é superior à das mulheres (09h02m vs 08h35m). Já no que se refere ao trabalho não remunerado (em casa), as mulheres são as mais prejudicadas em termos de horas médias diárias (04h23m vs 02h38m), nomeadamente no que se refere a tempo médio com trabalho de cuidado de alguém (03h14m vs 02h19m), e tarefas domésticas (03h06m vs 01h54m).
A taxa de emprego feminina em Portugal é elevada (89,1% em 2019), ao mesmo tempo que o trabalho doméstico e familiar sempre foi e ainda é quase exclusivamente das mulheres (Casaca, 2012; Perista, 2002), o que se repercute em situações de conflito trabalho-família, e diferenças de género quantitativas e qualitativas ao nível do uso do tempo (Kergoat, 1996; Perista, 2000). O Inquérito Nacional aos Usos do Tempo de Homens e de Mulheres em Portugal (Perista et al., 2016) revelou que há mais mulheres do que homens divididas/os e sobrecarregadas/os com a gestão das esferas trabalho-família, nomeadamente no que se refere à preocupação com o trabalho pago quando não estavam a trabalhar (46,8% vs 40,6%), na perceção de que o trabalho o/a impedia de dedicar à família o tempo que gostaria (51,4% vs 43,8%), no sentimento de cansado/a depois do trabalho para fazer algumas das tarefas domésticas necessárias (63,4% vs 46,6%) e na sensação de cansaço depois do trabalho para usufruir da vida pessoal (64,2% vs 52,4%). O mesmo acontece ao nível da importunação da vida familiar na profissional: no local de trabalho, pensar nas tarefas domésticas que tem para fazer (50,5% vs 17,1%); e fazer telefonemas de natureza familiar, tratar de assuntos familiares e/ou organizar a vida quotidiana, durante o trabalho (52,7% vs 45,4%).
A discussão que envolve a relação entre as duas esferas (trabalho e família) é central e muito abrangente pois é principalmente nelas que se expressam as desigualdades de género e torna conflituante para as mulheres equacionar as exigências de uma e outra (Araújo et al., 2005).